BRASIL ► Ficha limpa: mais uma do país onde é mais importante cumprir leis do que fazer justiça
A decisão do STF postergando a aplicação da Lei da Ficha Limpa para as próximas eleições sob o prático argumento de inconstitucionalidade foi saudada… Não, palavra errada. Recomeçando: a decisão do STF postergando a aplicação da Lei da Ficha Limpa para as próximas eleições sob o prático argumento de inconstitucionalidade foi lamentada até com o uso da palavra decepcionante por uma mídia ou outra.
Bem, pode-se usar n adjetivos para essa lamentável decisão (ou falta dela), menos decepcionante. Isso porque, como sempre faço questão de ressaltar, só pode haver decepção de onde se espera alguma coisa. E nada esperava da justiça brasileira. Muito pelo contrário.
A decisão do STF apenas corrobora um lamentável “status quo jurídico” (se é que essa expressão faz algum sentido) no Brasil: aqui os senhores-doutores-advogados-juízes trabalham apenas para aplicar leis e receber seu normalmente polpudo salário no fim do mês, não para fazer justiça.
Assim, constitucionalmente, pessoas com pendências legais – ou criminosos, como queiram – assumem cargos políticos. E por mera filigrana jurídica somos obrigados a entender que um assassino que cometesse o crime antes da criação da lei e fosse eleito nas últimas eleições poderia assumir seu cargo público, mesmo estando – ou devendo estar – atrás das grades. Afinal, o crime teria sido cometido antes da promulgação da lei, que não pode ser retroativa.
É isso?
Ora, façam-me o favor…
Uma vez criei uma confusão numa empresa de trabalho por usar uma imagem para criticar colegas que, numa determinada situação, deixaram de fazer o óbvio, o lógico, o certo, por se apegarem a um inflexível passo-a-passo de uma cartilha.
Eu disse que, agindo assim, pareciam cavalos de corrida, pois cavalos de corrida não pensam, apenas cumprem o que deles se espera: correr. Por isso usam aquelas viseiras que os impedem de olhar para os lados. Minha analogia criticava o fato de meus colegas estarem muito preocupados com o passo-a-passo, esquecendo de pensar. Estavam mediocrizando o próprio trabalho.
E pior: por não pensar além do manual burocrático, estavam causando atraso desnecessário naquela tal situação.
Entenderam mal, que estava chamando alguém de cavalo, o que não tinha absolutamente nada a ver.
O caso aqui é que, aparentemente, a justiça brasileira age assim: o que importa é seguir a lei. Então, pensar para quê? Cumpra-se o que está escrito – mesmo que isso configure uma tremenda injustiça.
Se ainda fosse o caso de um “dura lex, sed lex” (“a lei é dura, mas é a lei”) para todos os cidadãos, vá lá.
Mas aqui no Brasil ainda há o agravante da lei ser mais “dura lex” ou “sed lex” para uns e menos – ou quase nada – para outros.
Isso já não é nem caso de cegueira, não…
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