DE ALGUM LUGAR DO PASSADO ► “Luísa, Quase um História de Amor” – Um exercício de resenha crítica do ótimo livro de Maria Adelaide Amaral

Segundo semestre de 1987

“Luísa (Quase uma História de Amor)” é o primeiro livro de Maria Adelaide Amaral. Egressa do jornalismo, onde trabalhou muitos anos, e do teatro, onde obteve muitos prêmios como autora, tendo escrito os diálogos das peças “Bodas de Papel” e “De Braços Abertos” (inspirada neste livro), traz marcadas influências de ambos os meios: do jornalismo, a objetividade; do teatro, o dinamismo da narrativa.

Luísa, a personagem principal, é figura centralizada das atenções de cinco pessoas de seu convívio, sendo retratada em diferentes perfis por cada uma delas, tendo todas (exceto Mário, engenheiro) trabalhado juntos em uma redação de revista.

Em cada personagem, uma visão diferente: para Raul, o amigo homossexual e viciado em drogas, uma artista excêntrica; para Rogério, o apaixonado fetichista, uma deusa inatingível; para Sérgio, o ex-amante, uma possibilidade de amor; para Marga, a amiga militante e solidária, uma mulher frágil, alienada e um tanto cruel; e finalmente, para Mário, o ex-marido, “apenas uma senhora de meia-idade com vincos profundos na testa e nos cantos da boca, dentes amarelados pela nicotina, vestida com uma extravagância pouco comum à sua idade”.

O enredo aborda as relações desse grupo de pessoas de diferentes personalidades e atitudes, unidas por um mesmo elo, a atração por uma mesma mulher, a para todos fascinante e inatingível Luísa. Através da visão particular de Raul, Rogério, Sérgio, Marga e Mário, a personalidade de Luísa toma corpo, se definindo ou não de acordo com as verdades – complementares ou não – que cada um julga possuir a respeito dela.

Durante a narrativa, de estrutura simples, caracterizada por períodos curtos, sintéticos e objetivos, procurando imprimir às ações um maior dinamismo, há predomínio do tempo cronológico sobre o psicológico, com algumas digressões existentes para esclarecer fatos desenvolvidos a par da ação principal (como nos flashbacks de Raul), assim como o espaço físico predomina sobre o imaginário.

No texto, sempre narrado em primeira pessoa (pois a cada capítulo é descrita a visão unilateral e subjetiva de uma personagem, Raul, Rogério, Sérgio, Marga ou Mário, sobre os fatos desenvolvidos), o discurso direto é o mais utilizado, existindo trechos em que se encontra o discurso indireto e outros, até, o indireto livre.

O tema principal do romance se refere aos diversos e complexos sentimentos que podem existir em e em torno de uma mesma pessoa (no caso, Luísa), revelando haver no ser humano várias faces, várias personalidades, a serem mostradas individualmente de acordo com a situação em que se encontre, talvez nunca expondo sua verdadeira face.

Luísa é “quase” uma história de amor pela incapacidade da protagonista de viver (ou enfrentar) uma relação mais intensa, que pudesse a vir a magoá-la de algum modo, sendo por isso que, em Luísa personagem, a realidade nunca supera a imaginação, como atestam as inúmeras menções a livros, músicas e filmes, criando uma atmosfera de eterna fantasia que a personagem utiliza como uma forma de proteção aos seus sentimentos.

O maior interesse na obra de Maria Adelaide Amaral está na sua permanente atualidade, pela capacidade que possui de criar identificação de leitores com os personagens e situações que sempre trazem à lembrança alguém ou alguma situação semelhante presentes em sua vida.

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PS. Vale acrescentar ao esforço do então iniciante estudante de jornalismo duas observações, uma referente à personagem principal sem voz e outra ao estilo literário da autora.

Quanto à Luísa, tão intuitivamente ela fugia de relações emocionais mais intensas, que, como a exemplificar, apenas encontramos a “voz” da personagem em módicas anotações de sua agenda.

E em relação à autora, acho maravilhoso como Maria Adelaide Amaral consegue adotar para cada personagem que narra Luísa um estilo diferente de texto, adaptado à personalidade de cada uma delas. Um atraente exercício literário. Certamente é um dos pontos que mais me encantaram nas duas ou três releituras do livro que fiz ao longo desses poucos mais de 35 anos. Um livro da minha estande “vale a pena ler de novo”.

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